sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O Filho do Sol

Me lembro desse conto sendo feito prum desafio em que o tema era Sacríficio. Recordo que cheguei a pensar em Jesus, com Pilatos no conto também. Daí me lembrei de Túpac, um personagem histórico que sempre me interessou. E saiu o conto - que é um que dos que mais me orgulho: pela pesquisa danada que fiz, por algumas coisas que experimentei na escrita e por ter conseguido fazer sob pressão, direto no computador, com o prazo do desafio da comunidade estourando. No fim das contas, percebi que Túpac tinha semelhanças muito interessantes com Jesus e transformei Areche, que também é histórico, no meu Pilatos postiço. Espero que gostem. Boa leitura!


[Baseado em fatos reais]

Cuzco, 1781

Botinas se chocam com degraus. Descendo as escadarias da prisão, elas se aproximam rapidamente do subsolo. Suas passadas curtas – firmes – têm um porte imponente. Ora, não poderia ser de outro modo, afinal, ambas pertencem a um dos homens mais notáveis do Vice-Reinado peruano, o mui famoso procurador real. Ele observa com certo nojo as inúmeras goteiras a cair do teto, mas não se detém até chegar à cela no fim do corredor.
- Abra.
O carcereiro assente. E se afasta. Sua função é pura e simplesmente abrir a porta para seu superior. Só. Meros guardas como ele não podem ouvir conversas tão sigilosas. Para seu próprio bem. No minúsculo calabouço encontra-se o prisioneiro mais importante da América Espanhola, quiçá do Império. Debilitado após tanto açoite, o líder indígena se agarra às paredes. Seus companheiros de rebelião chamam-no Túpac Amaru.
- Saudações, Senhor Condorcanqui – começou o procurador, após alguns instantes de silêncio – Sou José Antônio de Areche e venho em nome de Vossa Majestade El-Rei Carlos III d’Espanha. Sua insolênc...
Aí sim o branco se detém. De alguma forma, parece que o nativo tem mais forças do que seu próprio adversário. De fato, as tem.
- Sei quem és e em nome de que usurpador vens, cavalheiro. Já mantive correspondência com o senhor inclusive. E sem nenhuma insolência. Mas não deve se lembrar, não é? – é quando o ar falta – Estranho que não tenha vindo o chefe da prisão, mas o senhor, do alto de seu posto, para me interrogar. Talvez por causa das vestes que traz em suas mãos.
- Na verdade, não são as vestes que me atraem e bem sabes; mas sim a mensagem nela escrita... Uma mensagem escrita pelo senhor, para seus companheiros, de dentro dessa prisão!
- Escrita com meu próprio sangue, procurador! Não havia tinta...
A voz de Túpac é trêmula, mas ecoa por todo o cômodo. É difícil combater tanto vigor. Areche se senta num banco. Ele não compreende.
- Eu sei que está sofrendo, Condorcanqui. Este lugar infestado de ratos não é o melhor para se viver, ainda mais para um homem com uma educação como a sua. Soube que cursou a Universidade de Lima.
- O que quer?
- Nossos soldados conseguiram interceptar sua carta, mas não foram capazes de saber para onde se dirigia. E é isto tudo o que desejo saber: onde estão seus correligionários. É simples. Basta que me diga isso e a misericórdia de Vossa Majestade se manifestará a ti. Acaso não fostes traído por alguns dentre teus amigos? E não é por causa da traição de um destes que estais aqui? Pois bem, não há motivo para orgulho. Diga! Onde estão teus cúmplices?
- Meu povo conhece muito bem a clemência de seu rei, Senhor Areche! Escravizado nas minas, humilhado nas ruas... Sabemos de perto como é a misericórdia imperial. Aqui não há mais cúmplice que tu e eu; tu por opressor, e eu por libertador, merecemos a morte.
O silêncio paira – initerrupto – por alguns instantes.
- Sabe, Túpac... É assim que o chamam, não é? Túpac Amaru – começa o espanhol, rindo e andando de um lado para o outro – Sabe, deve ser cômodo, não é? Se fazer de herói agora, quando tudo está tão perto do fim? Quando não há mais opções... Não se vanglorie tanto... Nem mesmo eu acreditaria na boa-vontade do Império. Admita: achas que se tornará um mártir, não é? Que irá inspirar pessoas a lutar por liberdade! Não, Senhor Amaru! Não! Não basta agir como tal agora, quando tudo se encerra... O sacrifício de corpo, a morte em praça pública... Tudo isso é nulo! Isso já aconteceu a milhares de pessoas e nem por isso elas são recordadas. Para se tornar um símbolo, para se tornar um ícone, é preciso algo mais! É preciso uma chama que não se apaga a inflamar o coração dos homens. Hoje foi tua última chance , Senhor José Gabriel Condorcanqui. Amanhã os abutres cearão sua carne! E eu temo por isso. Sabe por quê? Pois seus olhos e sua altivez me dizem que tens a chama, que és capaz de inspirar pessoas. Amanhã tu morrerás, mas não se tornarás um mártir, está ouvindo? Não se tornará um herói, pois eu não permitirei! Qualquer pessoa que cite seu nome será presa, está ouvindo? Sua lembrança não existirá! Seu espírito voltará junto com seu corpo para o inferno de onde jamais deveria ter saído! Não entrarás na história, Túpac Amaru!

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Olhos chocam-se com o nada. Antonio de Areche não compreende. Sua incredulidade chega a assustá-lo. Sentado em sua tribuna – só na imensidão – da praça central de Cuzco, o procurador real se pergunta: “de onde vinha tamanha altivez?”. Faz apenas duas horas que o rebelde líder indígena foi sentenciado. Trucidado. O nobre espanhol se lembra do que o fez passar: ver dezenas de correligionários serem mortos por enforcamento, bem como dois de seus filhos e sua esposa. Os parentes ainda tiveram suas línguas cortadas. Ele se recorda e de certo modo se horroriza. Lembra-se da multidão ensandecida, divertindo-se a custo da luta por liberdade. Seu ódio o cegou, e Areche sabe disso. Não suportara a idéia de um pobre servo como aquele querer impor-se perante si.
O procurador lembra-se então de Túpac. E de sua pena: esquartejamento. Quatro cavalos, um atado a cada membro do corpo. Os ferros quentes a tocar as traseiras dos bichos, a fazê-los ir em direções diferentes e partir o corpo de Condorcanqui. E o altivo escritor de sangue os segurando. Mais ferro quente. Braços mais rijos. Minutos a fio o duelo se desenrolara e, no fim, a vitória pendia para o índio.
De onde vinha tanta força?
Incapaz de ser esquartejado, o rebelde fora levado ao espanhol.
- Que cortem sua cabeça aos pés da forca. Ele é indigno das cordas.
Palavras de quem não se esquece. Um menino vem ao longe: seu criado. Traz cartas nas mãos. De fato, ambos já haviam trocado correspondência. Sem qualquer insolência. Por duas vezes, José Gabriel lhe tinha enviado cartas; pedindo, clamando, na mais humilde posição, pelo fim dos abusos do Império. Sim, o louco que Areche respondera sem a menor preocupação. Sim, o nobre nativo dono de mais de 70 pares de lhamas. Um perigoso inimigo criado. Mas por quê? Vindo de um pobre seria compreensível, mas era um homem riquíssimo... Qual era a chama de seu oponente, o que o levara até ali?
Areche olha o céu. O sol brilha. Ele, então, compreende. Lembra da lenda inca de Inti, o deus-sol. Da maior divindade do povo de Condorcanqui. O mito dizia que após criar o mundo, o astro havia enviado ao mundo seu filho Manco Capác, para ser rei e ensinar a arte da civilização.Todos os soberanos incas posteriores se diziam descendentes de Capác e eram adorados como membros da própria família divina.
As coisas começam a fazer sentido.
Areche lembra-se do nome daquele que prometera fazer esquecerem: Túpac Amaru. Não, aquele nome não era estranho. Sim, claro: o nome do último imperador inca, o nome do pai de Condorcanqui.
Tudo faz sentido.

“Como um sol vencido/
uma luz desaparecida... /
Túpac germina na terra americana”

Pablo Neruda

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Medo Primordial

Na verdade, acabei me enrolando no último post. Aquele era meu quarto conto posto no pc, mas o terceiro que escrevi no papel. Com esse daqui, se me lembro bem, foi o oposto: foi o quarto que escrevi, mas o terceiro que pus no computador. Lembro que guardei a idéia do texto por um bom tempo na cabeça, mas que não conseguia pôr no papel de jeito nenhum. Não conseguia achar o tom da história. Foi quando aconteceu uma agradável surpresa: surgiu o tema "Medo" no desafio de uma comunidade de quem participo, a "Escritor e sua sinopse". Não deu outra: a partir do tema do desafio, dividi a idéia no meio e fechei o conto. A outra metade, uma espécie de continuação, ainda espera pra ser posta no papel. Acho que foi com esse escrito a seguir que comecei a fazer mais experimentações, colocando referências meio ocultas (é um costume que venho desenvolvendo e é bem divertido) e focando mais na protagonista; mas ele não é perfeito, claro, e acho que a grande falha é o excesso de formalismo. Sorte que tenha melhorado nos últimos tempos.

Boa leitura!





Medo Primordial

Cabelos bateram-se contra o solo. Eram de Havah. Levantando lentamente os olhos após chocar-se contra o chão, ela pôde ver-se dentro de um imenso jardim, o qual conhecia muito bem. À sua frente, distinguiu um imponente rio e estendendo os olhos até o horizonte, pode vê-lo dividir-se em quatro afluentes, para irrigar todo o local. Observando as árvores de todo o tipo que ali brotavam, lembrou-se de como se deliciava com seus frutos de toda espécie. Forçando-se admirar a perfeição que rejeitara por tolice, a fêmea sofria. Lágrimas caíram-lhe dos olhos e doíam-lhe mais – bem mais – que as escoriações causadas pelo tropeço. O motivo do choro era uma queda maior.

Então, uma sensação estranha lhe percorreu o corpo, exigindo-lhe pôr as mãos no solo para apoiar-se. Era uma voz que lhe sibilava ao ouvido. A princípio, reconheceu-a como a do Senhor. “Não”, julgou posteriormente. De qualquer modo, não podia considerar-se exatamente errônea. Atrás de si, um ser superior a detinha. E murmurava, a princípio, exatamente como havia compreendido. Depois, levantou a voz. Não de um jeito imperioso, mas contrariado e - supunha ela - até um tanto triste. Quem falava era um mensageiro, acompanhado de cinco iguais, os quais estavam sob sua responsabilidade. Encontravam-se atrás de si e do homem que acompanhava Havah – seu esposo:

- Levanta-te, mãe de todos os viventes, pois eis que deste do fruto proibido àquele que foi feito do barro – ordenou o anjo, denunciando seu estado de espírito, ao embargar por vezes – Já não és mais digna de tocar este sagrado solo.

Havah cerrou o punho. O macho ao seu lado, porém, dedicou-lhe um olhar amansador, estendendo-lhe também uma das mãos. Apoiada nos músculos de Adam, aquela que nascera de suas costelas, readquiriu forças e prosseguiu no caminho.

Os dois – abraçados – caminharam ainda por mais algum tempo. Vigilantes, os querubins os seguiam. Apesar de todo o constrangimento, a mulher não sentia ódio do seres celestes. Sentia raiva. Raiva de si mesma por ter sido tão tola. E medo, muito medo, pelo que a esperava além do pequeno mundinho que conhecia. Aquele jardim, aquelas árvores, o rio e seus afluentes, eram tudo o que conhecia. Nada além disso. No entanto, por mais que se encontrasse desesperada, a mulher já estava calma o bastante para ponderar sobre a situação. Por mais doloroso que fosse, admitia que fora vítima de uma decisão justa, apesar de dura. “Que fiz eu? – se perguntava ela, a todo instante – Agora estou eu aqui, incapaz de resistir, forçada a fiar e a cavar a terra por ter rejeitado o que é imortal”.

Pranteou. Por vezes, ainda ouvia o som sibilante, mas não mais se permitia olhar para trás. Estava além de si. Forçava a mente como que para esquecer a voz e a pressionava para fora do pensamento, como se temesse uma alucinação, mas o ruído resistia. Dirigiu então o olhar ao esposo, que se esforçava para manter-se firme. Quando divisou o horizonte, observou o sol se pôr. Abaixo deste, as árvores cessavam sua existência. Era o fim da Terra da Estepe e o término da caminhada. O começo do sofrimento.

- Agora, lhes deixo aos cuidados do Oriente desértico – disse-lhe o chefe dos enviados – Já não mais gozareis do que é perfeitamente bom, nem vós nem vossa descendência, até que chegue a hora. As portas do Paraíso vos estão seladas.

Então, acenou-lhes e planou para o jardim, acompanhado dos seus comandados. Dado isto, em um único instante, o Éden desapareceu como se nunca antes tivesse existido. Assustado, o homem deixou a esposa e correu em sua direção, mas o jardim não era mais palpável. Sim, estavam sós. Completamente sós, em um mundo imenso e desconhecido. O pesar tomou-lhes o coração. Sentaram-se no desolado deserto em que se encontravam, tanto física como mentalmente. Havah tinha medo.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Fuga Ingênua

Bem, esse é o meu quarto conto escrito. Foi posto posto no papel em fins de 2007 e passou pro pc no começo deste ano. É um conto bacana, de que gosto bastante, apesar de simples. Tive como base uma história real que aconteceu comigo e daí fantasiei em cima. Espero que gostem.


Fuga Ingênua

Esta é uma história muito antiga e um tanto triste que me marcou profundamente. Naquele tempo eu era jovem e inexperiente. Hoje – creio eu – já sou mais sensato.

Naquela fatídica manhã foi que tudo aconteceu. Eu ainda morava na casa de meus pais e eles me traíram. Papai disse que ia trabalhar: mentira; devia estar era morrendo de remorso. Foi mamãe quem me levou. Eu era inocente. Acreditei nela. Logo chegamos ao endereço: um edifício baixo de cores alegres nos fundos da igreja. Como um estabelecimento tão pérfido poderia se encontrar nas proximidades da casa de Deus? Na porta, mamãe me dirigiu um olhar afetuoso e disse que tínhamos que entrar. Eu não compreendi, mas obedeci. Era de fato muito obediente.

De mãos dadas com minha genitora adentrei por cerca de três corredores até chegar à sala, à maldita sala. Lá, uma senhora nos esperava. Tinha cabelos brancos e escondia sob a alva tez uma maldade sem fim. Quando atravessei o limiar do cômodo senti que meus dedos não mais tocavam os de minha matriarca. Olhei para trás: a porta estava fechada. Olhei para a frente: uma senhora me sorria com desdém. Minha primeira reação foi tentar abrir a porta, mas a senhora tinha uma força descomunal para mim. Tomou-me pela mão e colocou-me em meio a outras pessoas de situação idêntica à minha. Todos chorávamos – pesarosos.

Então, começou a tortura: frases sem sentido, instrumentos de opressão travestidos de objetos de prazer... Coibiam o relacionamento entre os prisioneiros, dizendo que estávamos brigando... O próprio alimento que nos davam era uma papa entorpecente e a bebida reduzia-se a água.

A porta continuava fechada. Olhava para ela constantemente na esperança de que minha mãe aparecesse e me resgatasse. Tive a impressão de ouvi-la lamentar quando se foi. Preso naquela espécie de hospício, permaneci por horas a fio. Foi então que o destino que me sorriu: a porta se abriu lentamente. Uma outra funcionária do estabelecimento entrava na sala para falar com a que me vigiava. Rezei para que ela fosse descuidada e não trancasse a entrada totalmente. Deus me atendeu. Foi a minha chance.

Pus-me a sair pela fresta deixada tolamente e corri como um louco. Má sorte: as duas empregadas me viram sair e partiram em minha direção. Os outros prisioneiros – atordoados e seriamente vitimados pelos métodos escusos a que foram submetidos – permaneceram onde estavam. Eu, por minha vez, já ganhava o segundo corredor ao descer uma rampa. Das duas perseguidoras, a que me vigiava já desistira: era mais bem mais velha que a outra e minha agilidade não fora tão debilitada pela maldade alheia. A outra, porém, se encontrava em meu encalço.

Como era muito menor que minha inimiga, me livrava com mais facilidade dos obstáculos do caminho. Além do mais, estava com uma tremenda sorte: ao sair do último corredor e alcançar a saída, ela estava aberta. Empolgado, porém, esqueci-me da escada a seguir, que dava para a rua. Tropecei nos degraus e caí.

Os ferimentos físicos foram poucos, mas os da alma eram gigantescos.

Falhei.

Logo, mamãe chegou. E eu fui embora. Todos os dias, entretanto, voltava àquele antro de perdição.

Tinha dois anos e tentara fugir da creche, sem sucesso. Meus sonhos de virar espião da Interpol tinham ido por água a baixo. O lance era virar escritor amador mesmo.

No princípio...

Finalmente o MTP!

Já estava com esse projeto do blog há um bom tempo (mesmo). Já tinha aberto a conta, esquecido a senha, lembrado de novo e agora me vi aqui, pondo a idéia em prática. Escrevo coisas e crio histórias desde que me entendo por gente, mas foi há uns dois anos que comecei a levar a coisa de um jeito mais maduro. Desde então, tenho mantido contato via internet com pessoas de situação idêntica a minha e vejo o quanto é importante ouvir as críticas de outras pessoas. Pra isso, surgiu o blog.

Aqui serão expostos basicamente contos, histórias curtas que crio sem ter nenhuma relação (aparente) com tramas maiores, mas que ajudam muito no meu crescimento como escritor. No começo, pensei em postá-los na ordem em que foram escritos, pra mostrar minha evolução. Depois, desisti. Agora não sei mais. Vou postar como bem me der na telha. De qualquer modo, não produzo de um jeito muito lógico, então há uma boa chance de se passar um longo tempo sem textos aqui e num tempo curto surgirem vários. Faz parte da vida. Os marcadores estão aí praqueles que preferirem ler de acordo com o gênero do conto. Para as postagens não-literárias, como essa, usarei o marcador "Não-Ficção".

Bem, é isso. Espero que gostem. Àqueles que desejam me acompanhar nessa jornada, não tenham medo: farei de tudo para que a viagem seja a melhor possível. E, por favor, munam-se de comentários!

A propósito, a Terra Paralela é minha cabeça mesmo e os manuscritos são os textos, que geralmente começo no papel, pra depois revisar no pc.